ABUSO DE AUTORIDADE: Artigos 23 e 25 da Lei de Abuso de autoridade
- adautoribeirorepor
- 7 de abr.
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CRIMES POLICIAIS: Crimes que as polícias cometem, cotidianamente, no exercício de suas funções

No entanto, a criminalização secundária daqueles que incorrem em condutas ali descritas está longe de ser usual. A seletividade é intrínseca ao sistema penal (BARATTA, 1997, p. 85), e aqueles que operam em seu topo gozam de imunidade.
É notório que o Brasil ostenta uma baixa cultura investigativa, delegando à força policial e ao autoritarismo o papel da imputação criminal, como especificidade do controle social.
Cotidianamente, a Polícia Militar protagoniza abordagens na base do tirocínio e, ainda que obtenha o êxito de deter seus suspeitos, costuma prolongar o ilícito mediante violência física: imobilização asfixiante, socos na barriga da pessoa, sufocamentos etc. Há uma escolarização nesse sentido.
A palavra do policia militar é supervalorizada pelo Poder Judiciário e, de modo rotineiro, a advocacia se depara com termos de declarações em que o servidor militar elabora narrativas padronizadas vide "suspeito confessou ter enterrado a droga", "elemento franqueou a entrada do policial em sua residência", "suspeito avistou a polícia e logo empreitou fuga, arremassando a sacola de drogas para cima".
Sem especial escrutínio do elemento de prova militar, torna-se impossível a contestação. Sendo inaferível o indício, violada está a ampla defesa. Eis uma lógica proposital.
Nesse sentido, importante o avanço civilizatório configurado na Portaria 648/2024 do Ministério da Justiça que, em vanguarda com Estados- membros e com o Superior Tribunal de Justiça, regula e orienta a utilização de câmeras corporais pelas polícias e que, por exemplo, obriga a utilização das bodycams em ocorrências e buscas pessoais e domiciliares (art. 8º, I e III).
No Rio de Janeiro, a determinação de câmeras no EPI Policial está em vigor, desde 2021, a partir da promulgação da Lei Estadual nº 9.298/2021. E, neste artigo, já escrevi como a advocacia pode perseguir esses elementos de informação, bem como buscar uma absolvição ante a insuficiência acusatória do Estado.
Todavia, como a própria Portaria ministerial dá conta, é de se vislumbrar que não é apenas a Polícia Militar que pratica atos ilícitos e que essas ilegalidades não deveriam ser esquecidas, após o trancamento de ações penais (p.e).
Nessa direção, um causo: no dia 11 de junho de 2024, a Ministra Daniela Teixeira determinou o trancamento de uma ação penal contra réu preso em flagrante por suposto tráfico de drogas (STJ - RHC: 171785 RJ 2022/0317856-0, Relator: Ministro DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: DJ 13/06/2024). O paciente foi vítima de ingresso domiciliar sem mandado realizado pela polícia do Rio de Janeiro; atitude grave motivada em função de "denúncia anônima".
Como a Polícia Judiciária corrobora com essas ações?
Ou seja, a Polícia Civil também convive com seus vícios insuportáveis. Com nossa lente sobre a Lei de Abuso de autoridade, destacaremos pontos sensíveis:
Art. 25 da Lei 13.869/2019
Eis a descrição de práticas comuns da polícia judiciária, na fôrma da lei penal:
Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Não é incomum os policiais civis procederem com o "interrogatório" do suspeito, sem a realização do aviso de miranda (informação do direito ao silêncio, e de constituir advogado). Negociam direitos, em jogos de emboscada também [4], pelo pouco apreço aos direitos fundamentais sensíveis.
Nota de Culpa sem assinatura do flagranteado, Guia de Preso sem os devidos preenchimentos ocorrem com intensa frequência.
Ainda, é lamentavelmente usual a realização descuidada e maliciosa do recolhimento e da decorrente replicação de assinatura digital, de tal sorte que, à revelia do conhecimento do cidadão, sua firma é copiada e multiplicada ao longo de todo o documento do Auto de Prisão em flagrante.
O desprezo proposital pela cadeia de custódia dos elementos de informação dos persecutores é também não raro. Assim, o elemento normativo do tipo objetivo "manifestamente ilícito" também pode ser auxiliado pelas normas dos artigos 158-A e 158-B do CPP. Sobre isso, aqui falei [5].
Por que após o trancamento de uma ação penal não costuma ser aberta investigação contra os causadores de procedimento apto a arruinar a vida de uma pessoa?
Essa indagação merece destaque, mesmo diante da condescendência do Poder Judiciário: "(...) anoto que a declaração da invalidade da prova não implica, necessariamente, na conclusão de que a substância exibida tenha sido apreendida de forma ilícita" (TJ-SP - APR: 15002794820188260464 SP 1500279-48.2018.8.26.0464, Relator: Francisco Orlando, Data de Julgamento: 02/09/2021, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 02/09/2021) .
A evidência de ilicitude/nulidade do elemento do prova que formou a justa causa da ação penal já poderia formar a fundada razão para investigar inspetor de polícia ou delegado que autorizam, convalidam, agem displiscentemente perante abusos iniciados por seus subordinados ou eventualmente por outros trabalhadores da área de segurança.
Historinha de "jogou a sacola para o alto", "cachorro do policial sentiu o cheiro", práticas e jargões tais como "não é necessária a presença de advogado em delegacia" "voluntariamente prestou declaração" não podem mais prestar ou valer para formação de Relatório e de opinião de autoridade pela prisão.
O elemento objetivo normativo- jurídico do tipo está vinculado à máxima efetividade e aplicação imediata da garantia individual do art. 5º, LXIII, da CRFB/88 ("o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado), de caráter preceptivo [6], por exemplo, e o Estado tem de exibir prova do respeito ao direito".
Art. 23 da Lei 13.869/2019
Em relação à atuação das polícias que estão na rua, inclusive daqueles agentes que reivindicam o poder de polícia ostensiva (vide Guardas Municipais), o ingresso em domicílio em violação ao direito fundamental ao lar íntimo e seguro é um tema que afasta nosso país da democracia popular almejada.
Nesse sentido, a Lei de abuso de autoridade criminaliza o ato de ingressar em domicílio alheio sem as hipóteses legais verificáveis.
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem: I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;
Notem que a conduta é ilícita, ainda que desprovida de violência explícita: "astuciosamente". A "confusão"/ "mix intelectivo" forçada (o) entre crimes permanentes (direito penal material) e situação de flagrância (direito processual penal) serve à narrativa que resguarda o tirocínio policial. A minimização da produção probatória funciona da seguinte forma: se violado o domicílio e achada a droga ou a arma, a diligência é convalidada, mas - se nada for encontrado - de algum jeito há de se confirmar a narrativa persecutória.
Corretas estão as decisões do Superior Tribunal de Justiça motivadas na crítica epistêmica da "denúncia anônima" e que conferem a verdadeira interpretação ao verbo "franquear" [7]. Aliás, o franqueamento até pode ocorrer pelo morador (e nunca o morador da Vieira Souto será o alvo dessas diligências), e nada poderia adiantar fosse esse aceite de ingresso afetado por medo, pavor, pânico ou desconforto do cidadão.
Inclusive, o § 1º deste artigo epigrafado vincula o núcleo "franquear" à prática de coação. Assim, se, sem explicar os direitos constitucionais ao declarante sob flagrante, a delegada indaga sobre o franqueamento e o interrogado responde positivamente, de nada valerá essa "confissão" se não demonstrada a voluntariedade de dispor do direito fundamental.
Concurso material e de agentes
Os tipos penais da Lei de Abuso de autoridade tem como crítérios de referência (ou, para doutrina mais tradicional, objetos de proteção) bens jurídicos pessoais: liberdade, integridade física, cidadania etc. Bens jurídicos muito menos porosos do que aqueles (supraindividuais e difusos) que justificariam a existência político-jurídica de crimes como tráfíco de drogas, em tese protetores da saúde e da paz públicas.
Não obstante isso, as penas conferidas a essas condutas ilícitas são relativamente pequenas, o que confere aos seus agentes imunidade contra prisão preventiva (art. 313, I, do CPP), a priori.
Ressalva-se a possibilidade de concurso material entre eles e eventual constatação de associação criminosa (art. 288 do CP) entre os servidores do Estado, haja vista o assombro da realidade que diz respeito à violência estatal. Qual a cor e a classe daqueles que sofrem violação de seus direitos individuais fundamentais?
Referências:
CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira (coord.). Atlas da violência 2024. Brasília: Ipea; FBSP, 2024. p. 116: "são raros os processos centrados em trabalho de investigação policial. Apenas 16% dos inquéritos policiais estiveram relacionados a investigações anteriores, e poucos os processos em que houve algum tipo de quebra de sigilo - telefônico, comunicações ou bancário - ou mandado de busca e apreensão (Ipea, 2023a)."
G1. Vídeo: PM investiga abordagem de policial em São Conrado. Rio de Janeiro, 19 set. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/09/19/video-pm-investiga-abordagem-de-policial-em-sao-conrado.ghtml. Acesso em: 25 set. 2024.
MENEZES, Edgard Monteiro de. Câmeras corporais da Polícia Militar e a defesa criminal no Rio de Janeiro: para requerer as imagens, como fazer e por quê? JusBrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/cameras-corporais-da-policia-militarea-defesa-criminal-no-rio-de-janeiro-para-requerer-as-imagens-como-fazerepor-que/1945607633. Acesso em: 25 set. 2024.
MIGALHAS. Policial conta em podcast como obteve confissão e ministra anula prova. Migalhas, São Paulo, 22 set. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/414894/policial-conta-em-podcast-como-obteve-confissaoeministra-anula-prova. Acesso em: 24 set. 2024.
MENEZES, Edgard Monteiro de. Hipóteses de aplicação do art. 564, IV, do CPP em acusações de tráfico de drogas. JusBrasil, 05 de maio de 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/hipoteses-de-aplicacao-do-art564-iv-do-cpp-em-acusacoes-de-trafico-de-drogas/2507423099. Acesso em: 24 set. 2024.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. página 158.
"A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio" (...) "Embora a instância ordinária tenha asseverado que o acesso dos policiais ao domicílio do agravante foi franqueado, não há comprovação de que tal acesso tenha ocorrido de modo voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento. Logo, é o caso de anular a condenação" (STJ - AgRg no HC: 855646 SP 2023/0340258-6, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 27/11/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2023)
VITAL, Danilo. Talvez seja hora de responsabilizar PM que invade domicílio, diz Schietti. Conjur, São Paulo, 02 abr. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-02/talvez-seja-hora-de-responsabilizar-pm-que-invade-domicilio-diz-schietti/. Acesso em: 28 set. 2024.
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