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Detalhes da organização criminosa PCC são desvendados por Jornalista que revelou o estatuto organização

Atualizado: 10 de mar.

Na tarde de 24 de maio de 1997, a redação do Diário Popular, no centro de São Paulo, foi sacudida com a chegada do repórter Josmar Jozino, que trazia na mão um pedaço de papel amarrotado e soltava gritos de “consegui!”, consegui!”, acompanhado de palavrões os mais variados, como se tivesse lutado por aquilo durante meses.


Josmar Jozino folheia jornal impresso em busca de matérias que publicou sobre o PCC
Josmar Jozino folheia jornal impresso em busca de matérias que publicou sobre o PCC

Ele só parou quando chegou ao chefe da editoria de Polícia, Gilberto Lobato, o Giba, que fez a pergunta de sempre: “A história é boa?”


“Consegui o Estatuto do PCC”, respondeu Josmar, entregando o papel amarfanhado com 16 itens e regras da fundação do Primeiro Comando da Capital, o PCC, obtido na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no interior do estado, que ficaria conhecido posteriormente como berço da organização criminosa. 


“Um agente da Casa de Detenção conseguiu e me passou”. 


O estatuto começava falando de “Luta pela liberdade, justiça e paz”, mas já deixava claro os métodos violentos da organização: “Aquele que estiver em liberdade ‘bem estruturado’, mas esquecer de contribuir com irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão”, dizia. 


Aquele documento, conseguido quase 30 anos atrás pelo repórter, já trazia revelações aterradoras sobre aquela que se tornaria a maior organização criminosa do país.


Revelava que o PCC, naquela altura, já estava estruturado o infiltrado, “em todo o sistema penitenciário do estado”, e que, a médio e longo prazo, alcançaria todos os estados brasileiros e até fora do país, com operações na Europa e na África, por exemplo.


O trunfo era uma “coligação” com o temido Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. 


“Iremos revolucionar o país de dentro das prisões e o nosso braço armado será o ‘terror dos poderosos’”, afirmava o estatuto. 


No dia seguinte, o Diário publicou o documento na íntegra, com a manchete “Partido do crime agita cadeias”. Era a primeira vez que um jornal impresso publicava o estatuto, que já circulava entre as celas desde 31 de agosto de 1993, data da fundação do PCC, de modo sigiloso. No dia 26, a Folha de S. Paulo também publicou o documento.


Pressionado, o então secretário da Administração Penitenciária, João Benedicto de Azevedo Marques, convocou uma entrevista coletiva e brigou com a realidade: “Tudo isso não passa de ficção. Em São Paulo não existe crime organizado”, disse na época. A fala é registrada no primeiro livro de Josmar, chamado “Cobras e Lagartos”. 


O perfil do jornalista Josmar Jozino, o primeiro a revelar o estatuto do PCC, traça um histórico da maior organização criminosa do Brasil e reflete sobre os desafios da cobertura noticiosa policial no país.


Organização criminosa cobrava mensalidades em troca de proteção


Nas reportagens que foi escrevendo ao longo dos anos, Josmar foi descobrindo as características de funcionamento do PCC. A organização cobrava mensalidades aos seus filiados para oferecer algum direito ou proteção nas cadeias e fora delas.


Segundo Josmar, “cada soldado do comando em liberdade era obrigado a contribuir com R$ 500 por mês. Quem estivesse fora da cadeia, que se virasse para arrumar o dinheiro, roubando, traficando ou pedindo emprestado”.




Manchetes de reportagens sobre a atuação do PCC publicadas em diversos jornais


“O PCC precisava de muito dinheiro em caixa para contratar advogados, montar centrais telefônicas, financiar fugas, patrocinar resgates, corromper policiais e funcionários do sistema prisional, adquirir armas, comprar drogas e proporcionar algum conforto para as primeiras-damas, que eram as mulheres de fundadores do Partido”, diz.


Josmar também descobriu que os negócios da organização prosperavam muito fora das cadeias. Atualmente, estima-se que a organização tenha cerca de 40 mil integrantes, e atue em 24 países, enviando drogas, especialmente cocaína.


“Já está atuando como máfia. Tem conexões com a Camorra, na Itália”, diz Josmar, que continuou cobrindo a atuação do PCC ao longo de sua vida. 


Aos 67 anos, Josmar já acompanhou duas megarrebeliãos em cadeias lideradas pelo PCC e publicou três livros sobre a organização. Ele avalia que o PCC é “hoje uma organização muito mais poderosa, porque se enraizou no sistema, evoluiu na criminalidade, e atua no Brasil e no exterior”.


“Executaram um ex-aliado em pleno Aeroporto Internacional de Guarulhos, com o apoio de vários policiais, entre civis e militares”, diz, mensurando a força criminosa da organização. 


Um furo de reportagem nas férias


Josmar Jozino estava de férias com a família, em Ilhéus, litoral sul da Bahia, próximo à piscina, quando o celular tocou. Era quase hora do almoço, do dia 18 de fevereiro de 2001.


“E aí, meu. Aqui é o Lucien. Firmeza? O Partido vai tomar a cadeia aqui na Penitenciária e na Detenção, tá ligado? Então avisa aê pra tua redação, mano, e avisa que outras cadeias vão virar também, entendeu?”, disse a fonte do PCC. 


Meia hora depois, já no quarto do hotel, a vinheta do plantão da Rede Globo interrompia a “programação normal” para informar que 16 presídios de São Paulo estavam nas mãos de integrantes do PCC, que tomaram funcionários e visitas como reféns.


Até o final do dia, outros 25 presídios e quatro cadeias públicas também foram tomadas pelos presos. O motim foi notícia internacional, em vários países da Europa e Estados Unidos. 


“O PCC decidiu mostrar a cara”, diz Josmar. “Foi uma demonstração de força. Os presos fizeram pichações, pintaram o nome da organização nos pátios, exibiram bandeiras. Tudo isso foi filmado e exibido ao vivo, e saiu em todos os jornais”, lembra. 


Dois dias depois, o PCC ganhou mais de 500 adeptos, só na Penitenciária do Estado, e outros 700 na Casa de Detenção, de acordo com Josmar. 


Segundo o jornalista, em Franco da Rocha, Piraju, Campinas, Araraquara, e no Centro de Detenção Provisória, novos batismos também aconteceram. Muitos detentos exibiam camisetas com o slogan PJL (Paz, Justiça e Liberdade). 


Em seu escritório, Jozino continua a cobertura policial e do crime organizado
Em seu escritório, Jozino continua a cobertura policial e do crime organizado

Nos anos seguintes, num trabalho sem alarde e persistente, Josmar continuou fazendo reportagens de fôlego, aumentando as fontes, mostrando como o PCC se transformou em uma poderosa, violenta e milionária organização criminosa, infiltrada em vários setores da sociedade, inclusive no Judiciário. 


No dia 12 de maio de 2006, após a remoção de 756 presos ligados à facção para à penitenciária de segurança máxima Presidente Venceslau, o PCC partiu para seu ataque mais brutal, começando uma onda de motins, ataques contra policiais, delegacias, tudo o que representasse segurança pública.


Nos dias seguintes, foram assassinados 59 agentes públicos. A Polícia também saiu matando: 505 civis perderam a vida, e 110 ficaram feridos. Mais da metade eram eram negros e pardos, e apenas 6% tinham algum antecedente criminal. 


São Paulo viveu dias de terror. Comércio e escolas fechados, 60% da frota de ônibus não saiu das garagens, e 300 reféns nos presídios. 


A rebelião terminou subitamente, dia 17, após uma negociação do Governo do Estado, com a cúpula do PCC.


Em maio de 2016, uma matéria do jornalista sobre os ataques do PCC foi capa do Jornal da Tarde
Em maio de 2016, uma matéria do jornalista sobre os ataques do PCC foi capa do Jornal da Tarde

Josmar era repórter do Jornal da Tarde, do Grupo Folha. Ele assinou a manchete do dia: “‘São Paulo sob o domínio do terror”.


“Após a segunda megarrebelião, eles criaram novas células, descentralizaram o poder, e passaram a exercer o tráfico de drogas como principal atividade. Hoje, o PCC é o maior exportador de cocaína para a Europa.


Para as autoridades, já é uma máfia, que já se infiltrou no transporte público, administrações municipais, postos de combustíveis, hotéis, até banco digital, em Fintechs [empresas de tecnologia que atuam no mercado financeiro], lavando dinheiro no Brasil e no exterior”, disse Josmar à Agência Pública


Em sua pequena redação, em casa, sem aquele tumulto das redações que tanto gostava, Josmar Jozino segue a todo vapor, fazendo o que mais gosta: escrever reportagens.


— Aos 67 anos, Josmar já acompanhou duas megarrebeliãos em cadeias lideradas pelo PCC
Aos 67 anos, Josmar já acompanhou duas megarrebeliãos em cadeias lideradas pelo PCC

“Não falo mais com presos ou bandidos. Antes, eles ligavam dos presídios para as redações. Hoje, os celulares são bloqueados. Eu falo com fontes. Promotores, juízes, delegados, advogados, pessoas das mais diversas. Eu falo com deus e o diabo. Agora, é preciso saber quem é deus e quem é o diabo. Às vezes, deus é o diabo, e o diabo é deus.”



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